quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Prólogo

Odisséia
Kaline Bogard
Prólogo

Olhou pra cima vendo o céu cinzento de Tokyo. Odiava a cidade. Odiava a multidão de pessoas e o corre-corre cotidiano que prendia cada uma delas. Homens e mulheres que se esbarravam, iam e vinham sem deixar marcas profundas, ou levar marcas profundas.

Mas era esse anonimato que Aya buscava. Justamente a segurança e proteção de ser mais uma entre milhares, sem nada especial que a distinguisse dos outros.

Apertou a mãozinha do filho com carinho, tratando de andar mais devagar para que as pernas pequenas pudessem acompanhar o ritmo. O garoto, ao contrário da mãe, estava fascinado pela paisagem. Acostumara-se a viajar por vários locais: Osaka, Okinawa, Kyoto, Hokkaido... e nenhum deles era tão brilhante e cheio de vida quanto Tokyo.

– Mamãe!

Aya parou de andar e olhou para o filho:

– O que foi, Jin chan?

– Ali! – apontou o vendedor de algodão-doce, deixando o pedido praticamente explicito.

A jovem mulher sorriu e caminhou até o desconhecido:

– De que cor você quer?

Os olhinhos infantis analisaram a variedade de algodões coloridos com uma seriedade que não combinava com a pouca idade.

– Branco! Parece nuvens!

– Ótima escolha.

Depois de comprar o doce foram se sentar em um dos bancos do parque. O movimento era grande, apesar de ser muito cedo. Aya observou o garotinho sentado ao seu lado, gordinho de tantas blusas de frio, com o gorro colorido. Jin se divertia vendo o algodão-doce grudar na luva azul de dedos vermelhos. O doce parecia enorme nas mãos da criança de três anos.

Vendo a cena Aya sentia o coração pesar de tanto amor. Jurou que nunca desistiria de fugir, enquanto seu ex-marido fosse obcecado com aquele assunto, enquanto tivesse aquelas idéias absurdas sobre mitologia. E uma mitologia que nem japonesa era.

Agora estavam em Tokyo, na segurança de uma cidade grande. Seria quase impossível que os encontrassem por ali.

Recostou-se melhor no banco. Os olhos indo intermitentes do filho para as pessoas que circulavam apressadas, indiferentes aos dois sentados no banco, entregues ao frio de uma manhã de final de outono.

“Amanhã começo a procurar um emprego...”. Aya pensou. “Algo que nos sustente, mas não me deixe muito longe de Jin. Algo que...”

Os pensamentos se perderam. Uma suave melodia soou em sua mente. Notas tranqüilas e harmônicas que falavam de um futuro sem medo, sem dor ou insegurança. Um futuro em que ela não precisava mais fugir e que seu filhinho estaria a salvo do pai.

Uma música cheia de promessas tentadoras, que oferecia justamente o que a jovem fugitiva procurava. Sem que percebesse Aya foi se envolvendo, se deixando levar. Fechou os olhos por um segundo, visualizando aquele futuro onírico.

Voltou a abri-los no minuto seguinte, retornando lentamente a realidade, onde nada era bonito, nada era certo e, definitivamente, nada era seguro. Esfregou o rosto gelado e virou-se para chamar o filho. Precisavam voltar para casa depois daquele breve reconhecimento das redondezas.

Levou um susto tão grande que não conseguiu expressar em voz alta. A criança sumira. Não estava mais ao seu lado no banco. Tudo o que restara de Jin fora o algodão-doce caído no chão frio, derretendo lentamente.

Quinze anos depois

O rapaz não fazia esforço algum. Eram todos tão patéticos que mereciam que lhe pisassem em cima. Apesar disso sorriu novamente, curvando os lábios de forma sensual.

E o homem a sua frente prendeu a respiração, completamente fora de si ao observar aquela criatura quase etérea. Tão linda que só podia ser filho de um deus.

– Arata... – alguém chamou em voz grave, estragando o clima da cena. O rapaz olhou pra cima, analisando o moreno recém-chegado ao Pub.

– Jack. Bem vindo.

– Vamos embora.

Arata riu e deu de ombros. Saiu do balcão sem agradecer ao homem que lhe pagara a bebida e permanecia olhando para ele como se fosse um anjo descido dos céus. Arata não ia negar: adorava ser olhado daquela forma, adorava reconhecer a fascinação brilhando os olhos de seus admiradores.

– De mau humor, Jack?

O moreno mais baixo olhou para seu companheiro. Arata também era moreno, mas tinha uma mexa ruiva nos fios, detalhe que dava um charme ainda maior para as feições magníficas. Desconcertado, Jack balançou a cabeça e resmungou:

– Não use isso contra mim, Arata.

– Sinto muito. É força do habito.

– Está no sangue, não é? Filho de Afrodite.

Arata riu e deu de ombros:

– Porque está de mau humor, caro líder?

Jack diminuiu o passo. Semi-cerrou os olhos sentindo a brisa da noite agitar os cabelos negros e curtos, de fios muito lisos:

– Achamos uma pista...

Arata ficou sério:

– Então era verdade? Estava aqui mesmo nessa droga de pais?

– Hn. Japão.

Jack tinha que concordar que aquela nação recebia um fluxo de energia impressionante. As barreiras entre o sobrenatural e o real eram tênues e frágeis. Muitas vezes confundiam os sentidos e ofereciam a proteção perfeita a toda sorte de misticismos.

– Uma pista do...? – Arata indagou, observando o moreno mais baixo tirar um cigarro da cartela e acender.

– Do humano.

– Do humano?! – o moreninho da mexa ruiva arregalou os olhos.

Jack sorriu tragando profundamente. Sim, pelo que descobrira estavam próximos do alvo de suas buscas. Muito próximos...

– Volte para o Abrigo, Arata. Vamos nos encontrar em duas horas no parque Ueno. Não temos tempo a perder. Se nós o encontramos, logo Zeus o encontrará também.

– Maldição... – Arata cerrou os punhos. Se Zeus ou algum dos doze grandes chegasse primeiro, tudo iria por água abaixo. – Entendi. A gente se vê, Jack.

O rapaz saiu andando apressado. Começara a lutar contra o tempo. O moreno que ficou pra trás respirou fundo. Terminou de tragar o cigarro e jogou a bituca no chão. Arata estava certo. Zeus mataria o humano caso o encontrasse antes.

E Jack jamais permitiria que aquilo acontecesse. Ele o protegeria. Protegeria a única pessoa da face da Terra capaz de abrir a caixa de Pandora e trazer um novo rumo para a humanidade.

Continua...

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