segunda-feira, 12 de outubro de 2009

[Selfish] Capítulo 2

Selfish

Kaline Bogard

– Tachi... você aceitaria namorar comigo?

A pergunta fez o guitarrista engasgar com a própria saliva.  Ele respirou fundo com os olhos lacrimejantes, mirando Shibuya sentado no outro sofá, na sala do seu apartamento.  Assim que controlou-se a resposta veio sem hesitar:


– Nem pagando!

Foi a vez do baixista ficar chocado:

– Nem... pagando...?

Takeo devia ter imaginado.  Ajudar Jin era sinônimo de meter-se em encrenca.  Já fora obrigado a trabalhar com Gensuke san, saira no braço com o líder da banda, passara por uma crise no relacionamento com Arata... sempre tinha algo para complicar tudo.

Agora Shibuya estava ali, sentado em seu apartamento, lhe pedindo em namoro?

– Da próxima vez que te ligar e você me pedir ajuda eu desligo na sua cara. – resmungou irritado.

– Seria tão ruim assim?

– O que?! – Shiroyama ainda digeria o pedido.

– Namorar comigo.

Então o guitarrista base da banda franziu as sobrancelhas e olhou acusatório para o companheiro:

– Me surpreende você, com essa cara e me saindo um conquistador.  Você não amava o Jack?

Jin começou a brincar com os chaveiros da mochila sobre seu colo:

– Eu não amava ele! Eu ainda amo!– afirmou com toda a certeza do mundo, fazendo Takeo passar a mão pelos cabelos.

– E porque quer namorar comigo?

Pela segunda vez Jin pareceu chocado:

– Eu não quero namorar o Tachi!

– Mas você pediu!! Acabou de pedir!!

– Eu queria saber se você namoraria comigo.  Foi uma pergunta hipotética...não pensei que a sua reação fosse tão ruim... quer dizer...

– Espera.  Calma.  Eu não to entendendo nada. – o ruivo relaxou um pouco sentindo que estavam fazendo uma confusão, um erro de comunicação – Vamos sair e beber alguma coisa.

Jin suspirou, mas acabou concordando.

oOo

Takeo guiou a moto até uma Starbucks.  Foi fácil encontrar uma mesa.  O guitarrista pediu café com rosquinhas de nata, Jin um capuccino gelado com chantily e borda de chocolate.

– Isso parece desgraçadamente doce... – o ruivo torceu o nariz.

– E é... – Shibuya riu.

– Ta, ta.  Agora me explica essa história direito.

O baixista começou a mexer a bebida com o canudinho:

– Eu conversei com um amigo hoje.  E ele me deu umas dicas, sabe?  Eu tava tentando entender se uma pessoa normal namoraria comigo.  Agora já tenho a resposta.

– Uma pessoa normal?

– É... alguém que não fosse otaku.

Takeo passou a mão pela base do pescoço, subitamente tenso:

– Shibuya, a minha reação não tem nada a ver com o fato de você ser otaku.

– Não foi o que pareceu.

– Eu não namoraria com você, porque eu amo o seu primo.  E a gente deve namorar quem se ama.

– Mas...

– E eu não amo você.  Só como amigo, mesmo que você me meta em encrenca às vezes.

Jin brincou mais um pouco com o canudinho antes de perguntar:

– E se o Arata fosse otaku? Você ia namorar com ele?

– Claro.  Eu o amaria de qualquer jeito e... – calou-se ao ver que a reposta impulsiva viera em hora errada.  Imediatamente o baixista murchou e largou o canudinho, afastando a taça de si.

– O Jack nunca vai me aceitar.  Kuro san tinha razão

Takeo não imaginava quem era aquele cara, mas pelo visto dera conselhos negativos ao baixista da P”Saiko.  Como ele podia ajeitar as coisas agora?  Não era da conta dele, mas dois de seus amigos estavam sofrendo, porque eram cegos ou não tinham jeito suficiente para agir em situações com as quais não estavam acostumados.

Coçando a cabeça, Shiroyama tentou pensar como um otaku pensaria.  Acabou desistindo.  Então pensou em qual seria a coisa mais idiota para aconselhar ao amigo.  Talvez funcionasse.

– Ano... Shibuya...?

– Nani...?

– Sei como posso ajudar você.

– Como?– Jin perguntou desanimado.

– Você vai voltar pra casa agora e vai tentar com todas as suas forças não ser do jeito que você é.  Depois conte para o Jack que você mudou por causa dele.  Será a maior prova de amor do mundo.

Shibuya pensou por alguns instantes:

– Uma prova de amor...?

– A maior.

O baixista sorriu:

– Tem razão!  Vou fazer isso!

– E Jin...

– Nani...?

Antes da falar, Shiroyama deu um gole na bebida, ruminando sobre o que diria a seguir:

– Não se refira aos outros como “normais”.  Você é tão normal quanto qualquer pessoa que eu conheço.

Jin fitou o companheiro antes de balançar a cabeça:

– Não sou não.  Eu sou otaku.

Takeo colocou a mão sobre os cabelos negros e despontados de Ikeuchi e os bagunçou antes de afirmar:

– Você tem dois braços, duas pernas, uma cabeça... pra mim parece normal.  Quem diz o contrário não o conhece direito, está bem?

– Takeo... obrigado.

– Agora vai lá.  Mude o jeito que você é e conquiste o Jack de uma vez! – incentivou sabendo que se contradizia.  Mas Jin era lerdo, se deixava manipular fácil.  Talvez fosse o tratamento de choque que precisava.

– HAI! – o baixista fechou as mãos de forma determinada.  Aquele seria o dia em que se tornaria alguém totalmente novo.  Tudo pelo Jack.

oOo

– Mas... mas... mas...

Desolado, Shibuya observava os mangas esparramados pelo chão do seu quarto.  Resolvera que, pra mudar, tinha que jogar os mangas fora.  Porém...

– Esse foi tão difícil de conseguir...  Esse eu ganhei da minha mãe.  Esse virou raridade.  Esse eu troquei por um memory card...

Cada um daqueles livros ilustrados tinha uma história.  Um passado.  Não podia simplesmente jogar fora, abandonar no lixo.  Foi o mesmo com os DJs, com os garage kit, as figurinhas, os books, os DVDs...

Não havia nada que pudesse jogar fora.  Amava aquelas parafernalhas como se fossem parte de si.  Livrar-se delas seria como amputar pedacinhos de sua alma.

Caindo em si, percebeu o tamanho da besteira que tentara:

– Não posso deixar de ser otaku.  Por mais que eu ame o Jack...

A percepção trouxe farpas doloridas ao seu coração.  Queria conquistar Ryuutarou.  Queria ser uma pessoa totalmente nova por ele, para que o líder da P”Saiko finalmente o aceitasse.  Mas era algo que estava fora do seu alcance.

Pegou o celular e discou para Jack.  Tocou até cair na caixa de mensagens.  Jin não desistiu, insistiu duas, três vezes.  Até que Asamura se deu por vencido e atendeu:

– Jack...?  Sou eu.  Hn.  Gomen.  Eu... eu... preciso falar com você.  É sério... onegai.  Onegai...

Um longo silencio reinou.  Ikeuchi sentia o líder da banda considerando o pedido do outro lado da linha e, apesar da ansiedade, respeitou a reflexão de Jack.  Foi quase um alívio ouvir a voz do mais novo, aceitando ir até o apartamento do baixista.

– Arigatou. – reverenciou para o celular antes de desligar.

Guardou o aparelho na mochila e a colocou no ombro.  Ia esperar o baterista no saguão e o convidaria para beber alguma coisa.

Assim que saiu do apartamento virou-se para descer as escadas, no entanto não deu nem um passo.  Lentamente voltou-se e encarou o elevador.

Jin queria a confiança de Ryuutarou.  Queria que Jack aceitasse os seus sentimentos, mas... parando pra pensar.  O que ele tinha pra oferecer ao líder da P”Saiko?  Nada.  Não tinha nada, nem mesmo segurança.  Era apenas um otaku, que não podia sair na rua sem chamar a atenção.  E alguém tão fodido que nem conseguia usar um elevador, porque não tinha coragem suficiente pra isso.

Segurando as alças da mochila com força Shibuya mudou a direção de seus passos.  Rumou decidido para o elevador.  Pelo menos aquilo tinha que conseguir.  Se pudesse descer por ali, ao invés de usar as escadas... se vencesse o medo doentio de lugares apertados mostraria para Ryuutarou que era forte, que era confiável e alguém em quem Jack podia se apoiar sem medo do futuro...

 

Continua...

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