terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Capítulo 5

Five Stars
Lady Bogard

Capítulo 05

Arata despertou lentamente. Tivera uma noite ótima, talvez porque, na verdade desmaiara de tão cansado.

Esfregou os olhos e sentou-se. Antes de levantar-se de vez espreguiçou-se bem gostoso, afastando os resquícios do sono. Estava pronto para o novo dia.


Foi para o banheiro lavar-se e trocar o pijama cinza por roupas mais adequadas. Ainda não estava à vontade para desfilar por aí em trajes noturnos. Penteou o cabelo escuro, ajeitando a mexa tingida de vermelho.

Satisfeito com o resultado, saiu.

A primeira coisa que notou foi Trevas acomodada junto ao Mister Pingüim.

– Ohayou! – cumprimentou o bichinho.

Trevas agitou o rabinho, mas não saiu do lugar, parecia bem preguiçosa naquele momento. O moreno deu de ombros. Só então percebeu marcas de pó no chão, como se algo tivesse sido arrastado. Seguiu o rastro com os olhos até visualizar a mesa com um computador enfiada no vão entre a parede e a estante. Aquilo não estava ali no dia anterior.

Franziu as sobrancelhas. Havia um pedaço de papel pregado no monitor. Aproximou-se e descolou. Era um bilhete de Ikeuchi.

Primo

Ohayou! Achei melhor trazer o micro pra cá, pra você usar também. Tem lamen no armário. (alguma coisa rabiscada que Arata não conseguiu ler). O porteiro disse que você pode ficar com essa chave, ele vai fazer outra copia! Eu fui pra Akihabara, soube que Nagara-sama estará lá dando autógrafos! Ela é a melhor seiyuu do mundo! Ah, preenchi uma pulseira de identificação, está em cima da mesa da cozinha. É bom você usar! A gente se vê depois!

Ass: Shibuya.

PS: Quase esqueço, aqui está o número da minha mãe!

Hayato terminou de ler o recado e sorriu. Poderia se acostumar a viver daquele jeito? Talvez, mas faria todo o possível para ser uma permanência rápida, de qualquer forma.

Foi para a cozinha preparar algo pra comer. Encontrou a pulseira de identificação, daquelas que crianças usam na praia. Ficou olhando a fita azul, escrita com o que supunha ser a letra do primo. Tinha seu nome completo, o endereço do apartamento e dois números de celular para “casos de emergência”. Sorriu largando sobre a mesa.

Não teve dificuldade alguma em seguir as instruções do pote de lamen e preparar a refeição. Estava comendo quando seu celular tocou. Reconheceu o número como sendo de Ikeuchi Aya, mãe de Shibuya.

– Moshi, moshi. – atendeu o aparelho velho. Trocar por um novo estava em seus planos, assim que arrumasse um emprego. – Sim, tia. Desculpe as circunstâncias, eu devia ter avisado antes. Sim, compreendo. Por mim está tudo bem, fico esperando. Arigatou.

Desligou. Marcara de almoçar com Aya-san e acertar todos os detalhes. Enquanto isso podia terminar o café da manhã e continuar desfazendo as malas. Estava tão cansado na noite anterior que deixara a tarefa pela metade.

oOo

Hayato era meticuloso e ordenado. Tirou todas as roupas que trouxera e as dobrou com jeito no guarda-roupas. Não eram muitas, mas tinha cuidado com suas coisas.

Trevas foi sua companheira por todo tempo, latindo ocasionalmente como se quisesse incentivá-lo. Terminou ajeitando os poucos objetos pessoais, produtos de higiene e beleza, alguns sobre o criado mudo, outros no armário do banheiro. O toque final foi um porta-retratos. Olhou a foto dos pais e da irmã caçula. Sabia que estariam torcendo por ele.

Conferiu as horas no relógio. Era melhor esperar no saguão. Usou a chave extra para trancar a porta e desceu pelo elevador, pronto para esperar pela tia.

Surpreendeu-se ao chegar lá e encontrá-la sentada numa das poltronas. Era impossível não reconhecer a semelhança com sua própria mãe. Qualquer um reconheceria os laços sanguíneos. Além, é claro, da semelhança com Ikeuchi.

A surpresa estava em ser uma mulher bem normal, com roupas discretas e maquiagem fraca. O sorriso era aberto, tão cordial quanto de Jin, mas os olhos, igualmente negros, eram bem mais experientes e maduros. Aya usava os cabelos cortados extremamente curtos, num penteado sóbrio. Parecia uma jovem senhora muito correta e simpática.

– Aya-san! – reverenciou formalmente.

– Hayato-kun. Okaerinasai.

– Arigatou. Eu...

– Vamos almoçar juntos. Assim poderemos conversar. – ficou em pé, mostrando a Izumi que tinha a mesma estatura de sua mãe. Jin devia ter puxado o pai, pra ser tão alto.

– Hn. – sorriu.

Saíram juntos do prédio. O carro de Aya estava estacionado mais a frente, um modelo antigo, mas bem espaçoso por dentro.

– Faz muito tempo que não vejo Midori. – falou enquanto dirigia – Como minha irmã está?

– Bem. Ela é muito esforçada. – Hayato não podia disfarçar o orgulho que tinha da mãe.

– Hn. Midori sempre foi. – manobrou o grande carro e voltou-se para Hayato – Algo especial que queira comer?

– Não. Nada. Só quero conversar com a senhora.

– Então aqui está bom. – parou em frente um restaurante bem discreto – Shibuya é um bairro famoso pela culinária. Este é um dos meus preferidos, nunca tem fila de espera... – sorriu.

A prova de que era freqüentadora assídua foi o tratamento rápido que Aya recebeu. Logo um manobrista chegava para pegar o carro e um maitre os guiava até uma mesa vazia mais ao centro do salão. Izumi gostou do lugar. Era bem agradável.

– Ne. – o garoto começou enquanto olhavam o menu – Eu queria pedir desculpas por aparecer de surpresa. Sei que é um incomodo...

– Não foi uma surpresa. – Aya piscou um dos olhos – Minha irmã mandou um telegrama e avisou que talvez você viesse.

– Ah, minha mãe! – Hayato passou a mão pelo cabelo, ajeitando os fios muito lisos.

Aya sorriu notando que o sobrinho ficara sem jeito com a revelação. Achou melhor não dizer que a surpresa estava no fato de Midori entrar em contato, escrevendo para a ONG em que trabalhara por anos. Sabia que a irmã escrevera pra lá por desconhecer seu atual endereço já que não trocavam notícias por um longo tempo.

– Não fique bravo com Midori. Ela é sua mãe, e nós mães sempre nos preocupamos.

Nesse ponto Hayato olhou para a tia:

– Por isso me deixou entrar no apartamento ontem. Aya-san sabia que eu viria.

– Hn. Nunca deixaria um estranho entrar livremente na casa do meu filho. E se Midori não tivesse me escrito, eu não permitiria que entrasse.

– Desculpe pelo incomodo.

– Meu sobrinho não incomoda.

Aya fez um gesto para um dos garçons. Quando o homem se aproximou, fizeram os pedidos. Só então Izumi voltou ao assunto:

– Eu queria acertar sobre as despesas.

– Não se preocupe com isso. Sei que está sem emprego, e mesmo quando arrumar um emprego não vou querer que me dê nenhum centavo.

– Mas...! – Hayato arregalou os olhos – Não posso...

– Aceitar? – Aya sorriu – Pode sim. Yura-san, meu marido, é dono de um supermercado em Ginza. O que ele ganha é suficiente para nós dois, por isso uso todo meu dinheiro para cuidar de Jin. Não vai me fazer diferença alguma a sua presença naquela casa.

– Mas... mas...

– Tenho apenas algumas exigências em troca.

– Exigências? – Hayato mirou sua tia.

– Hn. Não faça nada por Jin. Não cuide das loucas e nem das roupas dele. Não se responsabilize pelas tarefas da casa. Você não é empregado de ninguém. Só assim ele vai aprender a se cuidar sozinho.

– Hn. – Izumi concordou meio incerto – O justo é dividir as tarefas.

Aya sorriu:

– Boa decisão. – calou-se quando o garçom veio trazendo os pedidos. – Você é um bom garoto.

O elogio fez Hayato corar meio sem jeito.

– Arigatou.

– De qualquer forma esteja vontade para ficar o tempo que quiser. – nesse ponto Aya começou a brincar com a comida – Mas quero que saiba que estarei em débito com você, e jamais poderei agradecer à altura.

– Por quê? – o jovem se surpreendeu com a afirmação. – Não compreendo.

– Não pode culpar uma mãe, não é? Por não desistir. – Aya nunca conseguiria revelar o quanto seu coração se enchera de esperança. Seu único filho era otaku, mas não estava totalmente alienado. Talvez a presença de Hayato trouxesse algo de bom. Talvez o moreninho conseguisse alcançar Jin de alguma forma e mostrar que as pessoas podiam ser boas. E que o mundo real era muito melhor que a vida bidimensional dos animes e mangás.

– Tia...? – Izumi se preocupou com o ar triste da mulher a sua frente. Mas Aya recolocou o sorriso animado nos lábios e apontou a comida no prato do sobrinho.

– Coma logo, Hayato. Ou vai esfriar.

O garoto concordou com um gesto de cabeça e, imitando sua tia, começou a comer em silêncio.

oOo

Antes de deixá-lo no apartamento, Aya passou com o sobrinho em uma banca de jornais e comprou-lhe alguns impressos específicos com ofertas de trabalho. Também recomendou alguns sites confiáveis.

– Eu poderia oferecer-lhe um posto na ONG onde trabalho, ou no supermercado de meu marido, mas sei como é chegar em um lugar e querer vencer por méritos próprios. – afirmou na hora da despedida, relembrando sua própria história – Se precisar de algo é só falar.

– Obrigado, Aya-san. Por tudo.

Reverenciaram e a mãe de Jin ligou o carro, indo embora. O moreninho esperou que ela virasse uma esquina, só então entrando no prédio e subindo para sua atual casa.

O primo não tinha chegado ainda.

Com um suspiro brincou um pouco com Trevas. Depois foi para a cozinha, abriu o primeiro jornal e começou a ler as ofertas. Marcou algumas opções que pareciam interessantes. Se distraiu naquilo.

Quando deu por si já estava escurecendo. Correu para acender a luz da sala e sentou-se no sofá ao lado do Mister Pingüim. Trevas saltou para seu colo e acomodou-se como se estivesse familiarizado com Izumi.

O moreninho sorriu. Ia esticar-se para pegar o controle remoto e ligar a TV quando a porta se abriu e Jin entrou.

– “Hoje eu estou feliz. Como você está hoje? Hoje eu estou feliz...” – cantarolava desafinado. Até que notou o rapaz no sofá – Ee?! Primo! Você continua aqui...?

Hayato franziu as sobrancelhas, pego de surpresa pela pergunta:

– Pensei que não houvesse problema...

Shibuya tirou a mochila das costas e jogou no canto. Depois largou-se no chão, sentando-se a frente de Izumi:

– Achei que não se adaptaria. Você sabe... algumas pessoas não gostam de... – desviou os olhos – Do Mister Pingüim, ne?

– Mas eu gosto do Mister Pingüim. Ele é um cara muito silencioso. – não acreditou no que tinha acabado de dizer, mas de alguma forma sentiu que precisava ser assim.

Jin sorriu e juntou as mãos:

– Então, tadaima.

– Okaerinasai.

Ambos riram quando Trevas latiu. O rabinho se agitava pra todos os lados, porém ele não levantava do colo quentinho.

– Tadaima pra você também, Trevas. Você foi um bom garoto? Ne, primo, hoje pela manhã passei o numero do seu celular pra minha mãe. Espero que não fique chateado.

– Não. Tudo bem. Eu já conversei com ela.

– Hn. Ah, vou tentar falar com o meu amigo de novo, ontem não deu muito certo, ele já tinha compromisso. – suspirou – Você quer ir?

– Não, não. Marquei alguns lugares que quero procurar emprego, por isso preciso dormir cedo pra acordar cedo.

Jin ficou em pé:

– Então tá. Eu vou tomar banho e trocar de roupa. Vou chegar antes do turno dele. Assim o pego primeiro. – sorriu pela estratégia. Aquela noite tinha que dar certo.

oOo

Shibuya saiu animado de casa, deixando o primo entretido com um monte de jornais. Foi direto para a estação de metrô e fez baldeação até o local onde aquele guitarrista trabalhava. Ainda não sabia no nome dele, mas já o considerava mais que um anônimo. Nunca suas tentativas antes tinham ido tão longe. Três. Três encontros. Só podia ser um sinal dos deuses.

Segurou firme na alça do estojo do contra-baixo e ficou rondando o Point até ver o ruivo se aproximar a passos velozes, quase correndo. Parecia preocupado.

– Ne! – tentou chamar a atenção dele.

Takeo olhou pro lado. Sua expressão se fechou. Era aquele mesmo rapaz dos dias anteriores. Quase praguejou. insistência dele lhe desagradou. O cara desconhecido tinha toda a pinta de otaku, podia ver pelas roupas espalhafatosas, pelos bottons, chaveiros e demais pindurucalhos no estojo de seu instrumento. (Se é que tinha mesmo um contra-baixo ali.)

– O que foi? – resmungou parando um pouco longe. Estava malditamente atrasado. Sabia que ia ouvir um monte do chefe. – Não posso demorar.

– Hai! Depois do seu turno a gente pode tirar um som juntos?

Takeo rolou os olhos:

– Não. Hoje não posso. – já foi se virando para ir embora.

– Tudo bem, volto amanhã! – Jin exclamou. Sua animação não diminuiu nada.

O ruivo parou no lugar. Aquilo estava saindo de seu controle! Seria o começo de uma obsessão? Estava acostumado a ser assediado, porém não a tal ponto. Era melhor cortar logo de uma vez.

Encarou o desconhecido moreno, colocou um sorriso sacana no rosto e lançou:

– Nós podemos tirar um som. Mas você tem que me deixar te comer depois.

Riu. A proposta era indecente. Os dois resultados possíveis eram interessantes: o rapaz podia se ofender e ir embora ou podia aceitar e dar uma noite daquelas pra Takeo.

– O... que?! – a ficha demorou um pouco a cair. O rosto subitamente pálido fez Shiroyama compreender que a primeira hipótese era mais acertada. Viu ali a chance de se livrar dele de uma vez e não pensou duas vezes antes de dar o golpe de misericórdia:

– É. – insistiu – Nada é de graça, garoto. Topa?

As mãos esguias apertaram a alça do estojo com mais força:

– Você entendeu errado...

– Então esqueça. Nós nunca vamos tocar juntos. Adeus.

Jin ficou olhando enquanto o ruivo entrava no Cyber pela porta dos fundos, onde esperara esse tempo todo. Estava decepcionado. Muito. Ele realmente acreditara que daquela vez tinha encontrado alguém que parecia uma boa pessoa.

Talvez fosse melhor desistir de vez. A cada tentativa, a cada nova esperança ele sempre esbarrava na dura realidade. Não existiam mais boas pessoas. Todas cobravam um preço. Um preço que ele não estava disposto a pagar.

 

Continua...

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