sábado, 20 de março de 2010

Capítulo único

In time
Kaline Bogard

Takeo espreguiçou-se longa e demoradamente.  Era tão bom ficar ali, deitado no sofá no colo de Arata, fingindo prestar atenção na TV, enquanto trocavam algumas carícias e carinhos.  Cada vez tinham menos tempo, envolvidos na criação do novo CD, logo ao regressar de uma turnê.

Tinham recebido uma semana de folga, pra repor as energias antes de voltar com pique total.  E os amantes queriam aproveitar isso da melhor maneira possível.

Takeo só estava ali, no apartamento de Shibuya, porque o baixista levara o cachorro pra casa da mãe e deixara Trevas por lá, durante a turnê nacional.  E Jin não fora buscar ainda, felizmente.  Shiroyama tinha pânico de cães.

– Ne, koi... – Arata chamou.

– Hn...? – o ruivo ronronou feito um gatinho, ajeitando-se no colo acolhedor.

– Vou fazer algo pra comermos.  Quer me ajudar?

Takeo sorriu de orelha a orelha.  Primeiro porque amava cozinhar.  Segundo, amava cozinhar com Arata.  Sempre sobravam brincadeiras nada inocentes entre eles...

Ia responder quando ouviram uma porta se abrindo.  Era Jin que saia aquela hora do quarto.  O baixista atravessou a sala quase como se flutuasse, com a cabeça baixa e uma “aura” escura ao seu redor.  Estava com o humor ruim.

– Ohayou. – murmurou e “flutuou” direto para a cozinha.


– Meu primo parece deprimido. – o vocalista soou surpreso com a hipótese.  Era raríssimo ver Ikeuchi de mau humor.

– Aquilo era seu primo?! – Takeo fez uma careta – Parecia um panda gigante.

Arata sorriu:

– É.  Ele adora esses pijamas.  Vamos lá ver o que aconteceu...

Levantaram-se do sofá e flagraram o mais velho sentado na mesa, mexendo uma xícara de leite denso de tanto chocolate em pó.  Ele vestia um pijama feito de flanela, com magas compridas.  Era preto estampado com grandes manchas brancas, com direito a um capuz com orelhinhas de panda.  Capuz que estava sobre os cabelos negros e lisos.

Takeo tentou não rir daquele panda tamanho família, enquanto Hayato sentava-se a mesa:

– Shibuya... o que aconteceu?

– Nada... – o moreno respondeu.

– Nada?  Tem certeza?  Você parece deprimido...

O baixista não respondeu.  Colocou mais duas colheres de chocolate em pó no leite e mexeu devagar.  Takeo fez outra careta.  Aquilo daria uma bela dor de barriga:

– Vai beber isso, Mister Panda...? – riu, recebendo um olhar de advertência por parte do namorado.  Pra disfarçar a diversão foi encostar-se na pia com os braços cruzados, atrás da cadeira de Hayato.

– Jin, você sabe que pode falar comigo sobre qualquer coisa, não é? – o vocalista voltou a se concentrar no primo.

Shibuya fez um bico e abaixou a cabeça até bater a testa na mesa:

– OJackdizquemeuspijamasbroxam...

– O que?! – Takeo resmungou.

– Não entendi, primo... – Arata insistiu com sua infinita paciência.

Shibuya suspirou longamente e levantou o rosto:

– O Jack diz que meus pijamas broxam...

Arata arregalou os olhos.  Takeo tentou ficar sério, mas não conseguiu.  Explodiu numa sonora gargalhada:

– Ahahahahahahaha!  Claro!  Quem quer transar com “pandas”, “gatinhos” e “ursinhos”?  Até eu broxaria!

– Takeo. – Hayato tentou não rir. – Ah, Jin.  Fica triste com o Jack não.  Nem todo mundo pensa como você.  Ele deve achar seus pijamas fofos demais pra algo mais... hum... atrevido.

O guitarrista engasgou tentando não gargalhar outra vez, apertando os lábios com uma das mãos.

– Mas eu gosto tanto dos meus pijamas... – tirou o capuz, liberando os cabelos negros que ficaram bagunçados. – O que eu faço, primo?

Nesse ponto Shiroyama aproximou-se da mesa e sentou-se:

– Queima tudo na fogueira.

– Nunca! – Ikeuchi afirmou convicto.

– Takeo! – o vocalista não sabia como seu amante podia ter esses ataques infantis.  Pra que pegar no pé do baixista daquele jeito? – Se não vai ajudar então me espera na sala.

– Não.  Eu fico quieto.  Na verdade, tenho uma sugestão pra dar...

– Qual? – Jin bebeu do chocolate olhando desanimado para o ruivo.

– Compra um pijama novo.  Um... Pijama das Noites Especiais.  Algo bem sexy que deixe o Jack subindo pelas paredes.

A sugestão animou os outros dois.  Deixou Jin feliz pela idéia e a Arata pela seriedade da proposta.

– Tem razão!  Vi um pijama de tigre que...

– Não! – disseram Hayato e Takeo juntos.

– Não pode ser nada fofo. – o guitarrista afirmou – Nem que tenha estampas de bichinhos...

– Nem florzinhas? – Ikeuchi perguntou pensativo, fazendo Arata e Takeo trocarem um olhar.

– Nem florzinhas... – o vocalista respondeu. – Nada... er... infantil, sabe?  Tenta algo mais... er... maduro... – Hayato sentiu-se meio incomodado pelos adjetivos que estava utilizando.

– Pega algo sem estampas, liso.  De uma cor sóbria.

Izumi ajudou a completar a idéia:

– Pensa em um personagem de anime que use um pijama assim.  Aquele... como é mesmo?  Ah, o Hibari de REBORN.  Ele usa um pijama roxo.  Muito sexy.

Shibuya pareceu se iluminar:

– Perfeito!  Vou comprar!!  Arigatou pela ajuda, amigos! – levantou-se da mesa e correu pro quarto com a cabeça fervendo de planos.

Hayato olhou orgulhoso para o namorado:

– Muito bem, Takeo.

– Eu sou legal, Hayato.  Posso ajeitar as coisas de vez em quando.  Mas... o que íamos fazer mesmo...?

– Algo especial pra comer.  Tem alguma preferência?

O ruivo sorriu predatório e abraçou o vocalista:

– Que pergunta é essa?  Você, é claro!

E os dois trocaram um beijo cheio de volúpia.

oOo

A missão era mais difícil do que Jin imaginava.  Ele estava rodando por Akihabara há pelos menos duas horas e não encontrara nada que se encaixasse nas exigências dos companheiros de banda.  Todos os pijamas que encontrara eram “fofos”.

– Droga.  Como é difícil seduzir quem se ama.

Ficou dando bobeira pela rua lembrando-se dos velhos tempos.  Agora era um baixista famoso, e os grandes óculos de sol, o chapéu amarelo e o cachecol, azul ajudavam a disfarçá-lo.  Já não podia aceitar mais convites das pessoas que vagavam por ali, e lhe davam mangas e DVDs em troca de um mínimo de atenção.

Tinha que se preocupar com a imagem da banda.  Era o que os outros lhe diziam.

Desanimado, pegou o celular e ligou para Takeo.

Moshi, moshi. – o guitarrista atendeu.

– Tachi...?

Ikeuchi?

– Hn.

O que foi dessa vez?

– Nada.  É que... eu não consigo achar um pijama.

IMPOSSIVEL! – o ruivo berrou no aparelho, obrigando Jin a afastá-lo da orelha – Como, em nome de tudo que é sagrado, você não achou um pijama em Tokyo?

– Não achando...

Onde você está?

– Akihabara.

Ah.  Ta explicado.  Vai pra estação e desce em Arakawa.– lá era muito tranqüilo, com infra-estrutura ótima para compras –  Hayato e eu te pegamos lá.

– Obrigado! – o baixista se iluminou com a oferta.  Desligou o celular e foi pros arredores da estação de metrô.  Cerca de meia hora depois Takeo chegava na moto com Arata.

O vocalista vinha todo vestido de negro, cor que destacava a mexa vermelha no cabelo.  Takeo usava regata cinza e calça branca, tinha um lenço escuro amarrado no pescoço.  O guitarrista respirou pesado ao ver as roupas do baixista.  A bendita bermuda com estampas do exército, blusa vermelha e coturno desamarrado.

– Podia pelo menos tirar o chapéu, o óculos de sol e o cachecol? – Takeo pediu esfregando a testa.

– Isso é pra desviar a atenção...

Arata riu:

– Primo, está tendo o efeito contrário.  É quase uma placa de “Otaku na área”.

– Não em Akihabara. – Jin deu de ombros tirando o chapéu.

Takeo acertou um cascudo na cabeça do baixista:

– Mas não estamos em Akihabara agora, baka.  Tente parecer normal.

Ikeuchi esfregou a cabeça e tirou o cachecol e o par de óculos, guardando na moto de Takeo.

– Eu sempre compro minhas roupas no shopping da outra rua.  Lá não é caro e tem coisa de qualidade. – o guitarrista apontou.

Caminharam juntos até o grande centro de compras.  Estava lotado, mas felizmente ninguém havia prestado atenção naqueles três rapazes, integrantes de uma banda famosa.

– Sabe que eu nunca vim pra cá? – Jin confessou com as mãos cruzadas atrás da cabeça, olhando de um lado para o outro.

– Acredito. – Takeo rebateu – Você vive enfiado em Akihabara.  Existem lugares lindos por aí. Isso é uma mostra de como você e o Jack são diferentes...

– Você e o Arata também são.

– Sim, nós somos. – o vocalista se meteu na conversa – Tem que ser assim, porque um completa o outro.

– Viu, Tachi.  Ser diferente não é errado.

– Eu nunca disse que era. – Shiroyama resmungou, entrando na loja de pijamas – É só surpreendente.

Quem podia imaginar que logo o Jack, reservado, discreto, observador, meio descolado, fosse se envolver com alguém que era o oposto exato dele?  E que esse relacionamento durasse por todo aquele tempo?

Uma vendedora se aproximou dos três e sorriu para Arata:

– Posso ajudá-los?

Imediatamente o guitarrista emburrou:

– Se precisar de ajuda a gente chama. – dispensou a garota que saiu dali rapidinho.

– Takeo, não acredito que ficou com ciúmes da coitada...

– Hunf. Oferecida, isso sim.  Ikeuchi, vamos achar o seu... Ikeuchi...? – só então percebeu que o mais velho não estava por perto.  Acertou um tapa na própria testa – Só falta essa: a gente perder o crianção e o Jack nos esfolar vivos...

O vocalista riu e apontou:

– Ele está ali... segurando o pijama de tigre...

– Mas será possível? – Takeo saiu depressa, aproximou-se e puxou o traje das mãos de Jin – Eu disse que esse não pode.  Até aqui vendem essas porcarias?!

– Eu... só tava olhando!  Achei bonitinho.

– Não é pra achar bonitinho, primo. – Arata aproximou-se também.  Tinha um pijama de listras na mão. – Que tal esse?

– Não.  Não gostei.

Takeo contou até dez e preparou-se para uma verdadeira batalha.  Aquilo não seria fácil.

oOo

Mas até que foi bem menos complicado do que Takeo esperava.  No fim das contas tanto ele quanto Arata acabaram comprando pijamas pra eles também.  E, apesar de protestos fervorosos do guitarrista, Jin comprou dois: o pijama das noites especiais e o do tigre...

Foi uma tarde mais divertida do que esperavam.  Era só ter paciência com as bolas fora que as vezes Ikeuchi dava.  Mesmo Takeo conseguiu entrar no clima e descontrair.

Acabaram fazendo um lanche, antes de ir embora.

– Arigatou! – Jin agradeceu ao se separarem na estação – Agora meu plano de sedução dá certo.

– Ganbatte, Ikeuchi. – o ruivo incentivou.

– Boa sorte, primo!

– Vou levar Hayato pra dormir no meu apê. –Takeo já pensava em fazer seu amante vestir o pijama novo só pra poder tirar num streap-tease. – Assim você tem sua casa livre.  Aproveite.

O baixista reverenciou:

– Dessa vez dá certo!

Finalmente seu namoro com Jack daria o próximo passo.

oOo

O líder da P”Saiko chegou na casa do namorado e usou sua cópia da chave para entrar.  Estava feliz com o convite.  A perspectiva de passar a noite sozinho na casa do irmão era menos atrativa que ficar ao lado do namorado, talvez assistindo uns filmes, juntinhos no sofá.

– Yo. – foi logo cumprimentado.  Nem procurou por Trevas.  Sabia que o animalzinho estava na casa da mãe de Jin.

– OI! – o baixista respondeu.  Abraçou o baterista e beijou-lhe os lábios.

Jack não entendeu a empolgação, mas não deu importância.  Às vezes Ikeuchi tinha umas atitudes que eram inexplicáveis.  Preferia aceitá-las a questioná-las.  Sentou-se no sofá e Jin o imitou, passando o braço por seus ombros.

Em segundos estavam se beijando outra vez.  Quando Jack sentiu que estavam se deitando sobre o estofado, ficou tenso.  E Jin percebeu, encerrando o beijo:

– O que aconteceu?

– Eu que pergunto... – o líder pareceu confuso.

– Vamos fazer sexo.

Se Jack não estivesse meio deitado teria caído pra trás:

– O quê?!

– Olha. – Jin mostrou o pijama de seda azul, o único que lhe agradara – Comprei um pijama novo.

Só então o baterista notou:

– Bonito.  Mas o que isso tem a ver?

Confuso, Jin ajeitou-se no sofá, saindo de cima do namorado:

– Mas... mas... você disse que meus pijamas broxavam!  Eu comprei um novo.

Jack arregalou os olhos ao ouvir a afirmação:

– Ikeuchi!

– Não entendo.  Eu troquei de pijama, mas... você não quer dormir comigo... o que eu to fazendo de errado?

Jack suspirou com infinita paciência, algo que lhe era incomum.  Com qualquer outra pessoa teria estourado.  Mas não com aquele moreno sentado do seu lado, com decepção brilhando nos olhos castanhos:

– Você não está fazendo nada de errado, Ikeuchi.  O problema sou eu...

– Mas os seus pijamas não me broxam! – o baixista exclamou – Eles realmente me excitam...

O líder da P”Saiko corou um pouco diante de tanta veemência:

– De onde saíram esses hormônios todos?

– Digamos que venho acumulando por anos... – Jin riu.

– Otaku pervertido. – Jack sorriu de leve.

– Está mudando de assunto, Jekichi.  Porque você acha que tem algum problema...?

O moreninho desviou os olhos.  Em que momento sua noite tomara aquele rumo?  Tudo o que queria era deitar nos braços do namorado e aproveitar-se da companhia que amava.  Não desejava falar de sentimentos sombrios que escondia dentro de si.

Mas o baixista era seu namorado.  Merecia uma resposta sincera:

– Eu tenho medo, Jin... – deixou a voz morrer.  A cabeça baixa não combinava com o jeito altivo e decidido de sempre.  Aquele era um dos poderes que Shibuya tinha: fazer as máscaras de Ryuutarou caírem uma a uma, revelando a verdade por trás da postura auto-defensiva.  Jack, no fundo, era apenas um garoto assustado, diante de coisas que nunca sentira antes.  Não de maneira tão forte e intensa.  E não sabia o que fazer com a inundação de sentimentos que transbordavam seu coração.

– Medo?  De doer?  Eu prometo que tenho cuidado...

Ao ouvir a frase preocupada Jack ergueu a cabeça e fitou os olhos castanhos que o observavam de volta.  Céus, como Jin conseguia entender tudo tão errado?  Culpa dos mangas, claro.  Passar uma vida apenas lendo, sem nunca experimentar, não era viver de verdade.  O baixista sempre se basearia no mundo da ficção pra tirar suas conclusões precipitadas.

Apesar disso o líder da banda não conseguiu segurar o riso:

– Baka.  Eu não tenho medo disso.

– Mas então...

– Cale a boca e me escute, está bem? – esperou que o mais velho concordasse com a cabeça pra só então continuar – Eu ainda não estou pronto, Ikeuchi.  Tem algumas coisas na minha cabeça que me deixam assustado e preocupado.  Tem a ver com suas expectativas e o que você espera de mim.  Eu tenho medo de fazer tudo errado e decepcioná-lo.

– Jack... – Jin recostou-se no sofá – Eu amo você.  Não estou cobrando nada, nem que você seja perfeito.  Só espero que confie em mim, e me deixe tocá-lo como eu gostaria de poder...

O baterista voltou a abaixar a cabeça:

– Isso foi muito bonito, Ikeuchi.  Mas... não me force a nada... onegai...

Horrorizado, Shibuya abraçou Jack, que ficou meio tenso:

– Claro que não!  Eu nunca obrigaria você a fazer algo que não deseja.  Esperei até agora, Ryuu-chan.  Posso esperar o tempo que for preciso.  Prometo que não vou pressionar. – ajeitou-se no sofá e puxou Jack consigo, de modo que o baterista acomodou-se em seu peito, relaxando.

– Obrigado. – foi tudo o que o mais baixo disse.  Sabia que se Jin continuasse insistindo, Jack cederia, porque o amava.  Mas não queria ainda.  Não quando alguns fantasmas do passado rondavam sua mente.  Quando resolvesse fazer amor com Ikeuchi queria que fosse uma entrega total e absoluta, de ambas as partes.  Desejava que fosse perfeito.

Shibuya abraçou o namorado com força, como se ele fosse um bichinho de pelúcia.  Então perguntou em voz divertida:

– Ne... até lá posso treinar um pouco com Takeo?  Ele disse que mostra tudo que eu quiser e...

Não terminou a frase.  Com uma mira impressionante Jack ergueu o braço e grudou numa das bochechas do namorado, puxando com força:

– Não se atreva.  Ou eu faço Shiroyama engolir Kami.

– Jack... Kami é seu escorpião de estimação! – o mais alto falou de forma estranha, com a bochecha sendo beliscada.

– Ele não se importa de morrer por mim.

– Eu to brincando...

– Eu não.  Sossega esses hormônios.

Shibuya riu mais um pouco e relaxou de vez no sofá, apertando Jack em seus braços como se tivesse medo que o baterista fugisse.  Não ia mais insistir com o namorado, forçando algo que era contra a vontade dele.  Podia viver mais algum tempo sem sexo.

Mas a melhor parte daquela conversa era saber a verdade.  Então seus pijamas não tinham nada a ver com o problema.  Que sorte!  Podia desfilar por aí com eles outra vez... sorriu largo, pensando na surpresa de Jack quando o visse estrear o de tigrinho, que comprara aquela tarde...

 

Fim

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