domingo, 10 de janeiro de 2010

Único

Urei no koe


Os dois primos eram inseparáveis. E, em qualquer lugar que fosse, naquela maldita cidade pequena, eles poderiam ser avistados. Eram populares.

Ikeuchi Jin era o otaku vindo de Tokyo, sabe-se lá por qual motivo. Era um jovem consideravelmente bonito e alto. Muito alto. Bem mais alto que Ryuutarou. E as diferenças não paravam por ali. O otaku era expansivo e simpático. E era querido por mais da metade do colégio.

Arata, como era conhecido Hayato Izumi, era seu amigo desde o começo do Ginasial. Assim como ele próprio, tinha cabelos compridos, mas com uma mecha vermelha na franja. E um sorriso encantador, um espírito gentil e, o mais importante:

O amor de Ikeuchi Jin.

Olhou-se mais uma vez no espelho do banheiro masculino da escola. Uma figura pálida, de cabelos muito longos, passando do meio das costas, um nariz fino e que ele achava não se encaixar ao rosto. Parecia um graveto em um saco de batatas, dentro daquele uniforme. Abaixou o olhar, encarando os pulsos enfaixados.

Em um momento as gazes estavam no lixo e a pele já castigada era maculada pelo vermelho do seu sangue. Cortes novos em cima dos recentes. E lágrimas. E soluços. E um estilete sendo jogado com raiva no chão de ladrilhos. E água em cima dos cortes, fazendo-os arder e levando o sangue, até que este parasse de sair.

E um sorriso discreto, quando se encontrou com os primos, cumprimentando-os e não deixando de notar as mãos entrelaçadas.

Uma desculpa qualquer para sair dali e ir chorar em paz em seu quarto, até que o cansaço abatesse sobre si e a dor fosse mandada embora para longe de seus sonhos, onde Jin dizia que gostava de si.

Onde não havia o peso na consciência por ter traído a confiança de Hayato. Onde os cortes vermelhos e as cicatrizes amarronzadas na pele branca demais não se faziam presentes.

Onde ele podia ser abraçado e beijado por quem amava. Onde ele conseguia ser feliz.

x-x-x

Acordou sentindo os olhos arderem e as bochechas molhadas. Aquilo fora somente mais um sonho tão real e... e era tão injusto.

-O mesmo sonho novamente? - a voz conhecida se fez presente e ele somente balançou a cabeça, concordando. Era sempre o mesmo sonho e o mesmo final. - Você deveria dar um jeito de se livrar desse sentimento. Ele está fazendo mal para você.

Riu amargamente, pegando um bloquinho branco na mesa de cabeceira, escrevendo rapidamente em kanjis bem trabalhados, mesmo na pressa:

"Se eu conseguisse, você sabe que eu já teria deixado de sofrer". O moreno leu rapidamente, pegando o braço fino do amigo e erguendo a manga e começando a passar o anti-séptico ao ver os cortes novos.

-Você também deveria parar de cortar-se. Pode resultar em algo grave.

Nada que o mais novo não soubesse. Fez um muxoxo, enquanto seu braço era acariciado pelo mais velho. Não conscientemente, era somente para que a pomada fosse passada, mas... era bom. Era o mais parecido com um carinho que teria na vida.

Sorriu levemente, com os olhos enchendo-se de lágrimas. Os pulsos foram enfaixados mais uma vez ao longo de todos esses anos. Como todos os dias. Mais uma vez, na rotina dos dois morenos.

Pegou o bloquinho novamente, escrevendo mais uma frase.

"Arigatou, Ero-jiji."

Teruo leu aquilo, rindo em seguida. Ryuutarou havia adquirido a mania de chamá-lo "Velho pervertido". E ele nem era tão mais velho que o baixinho. Bagunçou os cabelos longos, vendo-o franzir o cenho.

Ryuutarou não era o melhor exemplo de beleza acima da média. Era bonito, mas fazia sempre questão de esconder isso. Não era muito encorpado, parecendo sempre frágil, mas a despeito disso, tinha coxas grossas.

Uma personalidade forte e um coração quebrado. Uma péssima combinação, em sua opinião. E o adicional sumiço das palavras, sem um motivo plausível. Ele sabia. Ryuutarou havia deixado de usar a voz, quando percebera que jamais seria notado novamente. O que os amores não correspondidos não faziam com as pessoas.

Deitou-o na cama, vendo-o puxar o lençol para cima de si, como uma criança, deitando-se ao seu lado e passando o braço por sua cintura, puxando-o para si. Ryuutarou estava acostumado com isso. Para ele era somente algo rotineiro na amizade de anos dos dois.

Para Teruo era algo mais. Bem mais.

Colou os lábios no ouvido do mais novo, tendo afastado os cabelos longos antes, sussurrando de forma conquistadora e sincera.

-Você sabe que eu posso ser muito melhor, chibi... - viu o garoto virar o rosto para si. Era uma distancia provocativa demais para si. - Por que não me dá uma chance? Você sabe que eles não vão se separar... quer passar a vida toda esperando alguém que prefere ignorar seus sentimentos? Quer fazer o mesmo que ele faz com você... comigo?

Ryuutarou balançou a cabeça negativamente. Não queria fazer o mesmo com Teruo, mas... até que ponto acreditar que aquilo era verdade? Até que ponto se entregar e não se machucar?

O mais velho suspirou, sorrindo levemente e cruzando a pouca distância, colando os lábios em um beijo sedento. Ávido por contato. Mordeu os lábios do garoto, as mãos entrando por baixo da camisa branca muito larga para ele, puxando-o para cima de si, começando a descer os lábios pelo pescoço muito claro.

Em minutos as roupas haviam sido descartadas e os corpos se moviam na cama de Ryuutarou.

x-x-x

Tirou os fones de ouvido, vendo o menor se aproximar com um sorriso pequeno no rosto. Seis meses poderiam mudar uma pessoa. Desceu do muro, aproximando-se e abraçando-o pelos ombros, começando a caminhar com Ryuutarou em direção a algum restaurante para almoçarem.

Olhou para os braços desenfaixados sobre uma camiseta preta justa com uma estampa de dragão. A sombra em cima do garoto havia sumido. E isso era bom, mais do que poderia imaginar. A voz ainda não havia voltado, mas Yuura desconfiava que fosse porque Asamura se acostumara a não usá-la.

O... namorado (e como era estranho usar essa palavra, depois do ultimato escrito do garoto: "Ou nós namoramos, ou eu te chuto porta afora. Não sou sua boneca inflável.") o cutucou, com uma sombra de risada nos lábios finos, apontando para uma direção.

Seguiu o que o dedo longo mostrava, vendo Izumi, o, em teoria, namorado do Otaku, indo ao encontro do ruivo conhecido deles, Shiroyama. E, ao contrário de qualquer pensamento, o moreninho o beijou. Não um selinho, mas um beijo sedento e sensual, do tipo que deixaria qualquer um de boca aberta. Inclusive o Otaku, que agora saía do colégio, estancando no mesmo lugar, pálido.

Ouviu uma risadinha de escárnio ao seu lado, seguida de uma frase em uma voz que já havia sido esquecida há muito tempo, baixa e rouca:

-Parece que alguém vai ser conhecido da sensação de ser deixado de lado. Vamos Terushii.

-Espera aí! Desde quando você voltou a falar?

O moreninho franziu o cenho, pensando. Fez um sinal com os ombros, indicando que não importava, realmente. Puxou Teruo, começando a caminharem lado a lado.

Seis meses mudavam as pessoas, Ryuutarou pensou. E não parecia ser tão errado ter dado uma chance para Terushido. Nem ter dado uma chance para si mesmo.

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