domingo, 10 de janeiro de 2010

Poema da dor

Notas do Autor:
Atentem para as passagens de tempo, onegaishimaaasu.

Nageki No Uta

Eu apenas conseguia ver o trem partir. Não conseguia derramar uma lágrima, ainda que fosse uma vontade quase desesperadora. A locomotiva branca e azul começava a se afastar e eu podia ver, na janela, o moreno acenando e sorrindo abertamente. Feliz.

Eu tentei erguer minha mão e acenar de volta, mas os músculos haviam travado. A garganta secara. Meus olhos ardiam e meu coração apertava. Meu único movimento foi virar as costas e, a despeito das plataformas absurdas que eu usava ("Nem com elas você consegue ficar do meu tamanho, Jekichi"), comecei a correr. Correr para longe, muito longe.

Correr para chorar sozinho.

Parei na escadaria, apoiando-me nos joelhos, respirando ofegante, engasgando com as lágrimas que borravam minha maquiagem pesada e os soluços que rasgavam minha garganta. Chorei com toda a vontade contida no meu ser.

Senti uma mão ser colocada no meu ombro, me virando e me puxando contra um peitoral largo, coberto por couro e fivelas. Conhecido. Senti mais dois corpos me abraçarem. A familiaridade se fazendo presente, enquanto eu sentia meu coração quebrar cada vez mais.

-Ele foi embora... - murmurei debilmente em meio aos soluços. Ninguém disse nada.

Não havia o que dizer.

x-x-x

A primeira vez que eu vi Jin... nós estávamos muito longe de sermos algo considerado um casal.

...

Duvido muito que algum dia tenhamos sido.

x-x-x

A cidade onde nasci? Para que você quer saber? A cidade onde eu nasci... é conhecida como Kyoto. Mas não fiquei lá tempo suficiente para considerá-la um lar. Na verdade, tudo que conheço sobre lá vem dos livros de Geografia.

Quando eu nasci, minha mãe morreu. Quando eu nasci, meu pai levou a mim e a meu irmão para viver em Mie com nossa avó. Ela era uma boa pessoa, parando para pensar. Mas era amarga. E sábia.

E esta é a história do amor não realizado de um demônio.

x-x-x

-Quer dizer que se eu não fosse esse poço de boa educação e beleza, você jamais haveria me notado? - perguntei, bem humorado, me virando e encarando-o com uma sobrancelha erguida, os cabelos presos em um coque alto, a única maneira de mantê-los secos.

-Talvez. Se você nunca tivesse aparecido no nosso show, possivelmente eu jamais teria te notado e estaria agora com o primo... - ele respondeu e eu estreitei os olhos. - Desculpe, brincadeirinha errada.

Bati a mão na água da banheira, espirrando-a nele. Jin franziu o cenho, mas logo me abraçou, me fazendo deitar sobre seu peito.

-Pensei que você me achou estranho, naquela noite. - resmunguei, cruzando os braços sobre o peito, enquanto sentia beijos em meu pescoço.

-Um pouco. Mas você é sexy em roupas vitorianas. - ele respondeu, com a voz abafada pela minha pele. Arrepiei. Ele me puxou um pouco mais contra si. Eu virei o rosto para encará-lo.

Os lábios tocaram-se.

A partir daí foi uma sucessão de movimentos e sussurros, gemidos e beijos.

Como sempre era.

x-x-x

-Você precisa conhecê-los Ryuu-chan. - a voz animada de Takeo soou em meus ouvidos, enquanto eu, com um longo sobretudo negro sobre uma camisa vitoriana cor de sangue, me movia pela rua, sem desejar realmente estar lá.

Olhei para o ruivo com minha melhor cara de indiferença, pensando em como ele não sentia frio, estando somente de camisa fina em uma noite com neve. Era Takeo, minha mente me dizia, e ele não é a pessoa mais indicada para ser taxada de 'normal'. Eu ri. Levemente, mas ri.

-O guitarrista deles é um cara super legal. É o Teruo, ele foi meu senpai. Alguns dizem que ele dorme toda noite com uma pessoa. - parou, pensando no que havia dito, me fazendo erguer uma sobrancelha.

-Dispenso ser apresentado a alguém assim. - respondi, tragando meu cigarro. E daí que eu não tinha, nem de perto, a idade para isso? Eu já morava sozinho e havia acabado de deixar a escola.

Não exatamente de boa vontade.

-Não tire conclusões precipitadas! - o ruivo se adiantou, andando à minha frente, de costas para a rua, o que me fez puxá-lo para que não batesse em postes mais de uma vez. Criança. E era eu quem tinha dezesseis anos, ali.

-Certo, continue. - pedi, rolando os olhos e jogando o resto do cigarro na neve, pisando em cima do mesmo enquanto andava, vendo-o falar animadamente:

-Tem o outro guitarrista e o baterista, que eu não conheço, mas tem o vocalista, o Arata-kun. Ele é o tipo de cara que eu gostaria de levar para a cama. - rolei os olhos com a observação desnecessária. Havia um tipo que Takeo não levasse para a cama? - Arata-kun me lembra morangos. Ele é primo do Baixista, o Shibuya. Cara legal, mas é otaku.

Oh, grande. Um otaku, um galinha, dois desconhecidos e um... morango?

Parado em frente ao clube, eu me perguntei mais de uma vez por que diabos eu estava lá mesmo. Ah, é.

Shiroyama me arrastara.

x-x-x

Se eu acreditasse em destino, eu teria dito que fora, na verdade, ele quem me mandara até aquele clube, quem me ajudara a ficar na primeira fila.

Se eu acreditasse em destino, diria que foi ele quem nos juntou, aos primeiros acordes graves e o primeiro olhar cruzado.

Eu diria até, que foi ele quem me fez sorrir de volta, timidamente, quando o moreno em roupas pretas com detalhes coloridos, sorriu para mim.

Mas eu não acreditava em destino. Nunca acreditei.

x-x-x

-Adivinha só? - o ruivo praticamente brotou na minha frente, quase me fazendo derrubar a pilha de LP's que eu carregava.

-Não sei, me conte. - pedi, revirando os olhos. Takeo nunca mudava, não importava o quanto eu tentasse colocar um pouco de juízo na cabeça do meu amigo ou Arata tentasse fazer o namorado amadurecer

Não era que eu estivesse interessado. Mas é que Takeo me atazanaria até que eu topasse ouvir o que ele tinha a dizer e, dessa guerra, eu não queria participar.

-Eu vendi todos os botões do meu uniforme. – Ele sorriu largamente ao passo que eu apenas arqueei uma sobrancelha, me perguntando qual era o motivo de tanta animação.

-Só isso? – indaguei, vendo o rosto do ruivo ficar incrédulo. – Você deveria tê-los dado. E Arata não vai ficar muito feliz em saber que você fez isso.

O ruivo se jogou em uma cadeira ao meu lado, dentro do balcão da loja de discos e instrumentos musicais onde trabalhávamos (eu em período integral, já que não me interessei por terminar o ensino médio, parando no segundo ano, enquanto Takeo, naquele momento, havia terminado até o quarto ano). Parecia ter murchado depois que eu havia dito aquilo.

-Jin o chamou. Parece que a banda dele perdeu o vocalista e aquele imbecil achou que Arata seria a melhor escolha.

Soltei um muxoxo. Há muito, eles sabiam, havia deixado de ser um tabu falar do baixista na minha frente. A bem da verdade, jamais havia sido. Eu jamais havia imposto isso a eles, havia só... sido um acordo mudo entre Teruo, Takeo e Arata.

Mesmo que ainda doesse ouvir o nome do meu ex-namorado.

-Parece que  a P”Saiko acaba de perder mais um membro. – Takeo resmungou. Eu olhei para ele. Não culpava Arata por aceitar, era desejo geral sair do fim de mundo onde estávamos. - ... Jin chamou você também.

-Para tocar? – perguntei, sem alterar meu tom, arrumando algum amassado no colete do terno que usava e que, na verdade, nem terno era. O blazer havia sido substituído por um sobretudo de couro e a camisa era cheia de babados.

Jin havia dito que eu ficava bonito em roupas vitorianas.

-Para viver com ele.  – Takeo me olhou, erguendo uma sobrancelha. Talvez esperasse um ataque de raiva. Um ataque de choro ou uma risada histérica. Ninguém nunca sabia o que esperar de mim.

Muito menos eu.

-Não, eu não vou. – respondi com um sussurro desanimado. – Ir para morar com ele, sem tocar na mesma banda é humilhação demais. Já me basta eu ainda estar morando no apartamento que a mãe dele mantém.

“Claro que isso não é permanente. Falta pouco para meus vinte anos e muito pouco dinheiro. Nós já estamos em Agosto, logo Novembro chega e eu farei dezoito anos. E logo estarei embarcando para Tokyo. Não para ser ‘o namorado de Shibuya’, mas para ser Jack, ‘o baterista de uma banda’.

Até lá... faz companhia para mim, se não for pedir demais.”

Parece que não foi pedir demais. Quando Arata embarcou, ele ficou ali, ao meu lado. E foi no meu ombro que ele chorou, dessa vez.

x-x-x

-NOSSO PRIMEIRO SHOW COMO A FORMAÇÃO OFICIAL DA P”SAIKO FOI UM SUCESSO! UHUL! – Takeo gritou, girando com Arata, ambos caindo na neve, arrancando risadas de todos, ao ver o vocalista se erguer e começar a ralhar com o namorado. Todos levávamos sacolas com os presentes recebidos dos fãs. Teruo e Arata eram os que mais ganhavam presentes, sempre, mas eu também tinha meu fã clube.

Parece que ser o ‘baterista misterioso’ dava resultados. Pensei,  caminhando ao lado de Ikeuchi.

-Takeo, levanta daí, nós vamos perder o metrô, panaca. – Teruo revirou os olhos, erguendo-o e logo o empurrando de volta quando, de pilhéria, o guitarrista ruivo tentou beijá-lo.

-Podem ir vocês, eu vou acompanhar o Jekichi até em casa. – Jin anunciou, me fazendo piscar surpreso, arrancando risinhos maliciosos dos guitarristas e recomendações preocupadas de Arata.

-Não fale com estranhos no caminho, olhe para os dois lados e não volte tarde. – típico da ‘mamãe’ Ichigo. Eu poderia rir.

Mas estava atordoado demais com o fato que Jin colocara seu cachecol gigante no pescoço de nós dois.

E mais chocado ainda quando ele me beijou, na porta da casa da minha avó.

Eu não preciso dizer que praticamente tive uma síncope, quando caímos exaustos, suados e nus na minha cama, ne?

Que bom.

Porque a cena se repetiu, incontáveis vezes, naquela noite.

x-x-x

-Eu estou indo para Tokyo.

Não era necessário um espelho para saber que meu rosto era a perfeita imagem do espanto e do pavor, quando ouvi aquelas cinco palavras que pareciam tão simples, mas tinham um significado absurdo.

Pelo menos sobre a minha vida.

-Você pode vir comigo, se quiser, Jekichi. Eu gostaria de ter você morando comigo, enquanto estivesse lá...

-E você espera que eu faça o que lá, Ikeuchi? Arrume sua janta, enquanto você está fora? – perguntei, cruzando os braços e sorrindo de canto.

Escárnio escorria pelos cantos levantados dos meus lábios, enquanto eu me sentava, sem me importar com meu corpo nu, encarando-o. Jin realmente acreditava que eu iria com ele pelo simples prazer de morar com ele?

Fora ele quem havia sido chamado para uma banda, não eu. Nós não estávamos juntos nessa.

Naquela noite, duas semanas antes da partida do trem, ele havia me  amado intensamente. Eu arranhara suas costas da forma mais selvagem que poderia.

Internamente acreditando que aquilo o marcaria como meu até o fim da vida.

Adolescentes são patéticos, huh?

x-x-x

Adolescentes  são patéticos. No meu aniversário de vinte anos, eu comprei um presente para mim, um apartamento perto do meu trabalho. Eu ainda continuava na loja de discos. Cinco anos depois, ela era minha.

Takeo e Teruo haviam ido para Tokyo, tentar uma banda. Eles dois. Shiroyama quase me esganara, quando vira que eu não iria embarcar no trem com eles. Acho que mais por medo de me deixar sozinho.

Ambos haviam voltado. Teruo primeiro, entrando como sócio na loja comigo. Takeo depois, muito depois. Depois de três bandas, alguns CD’s  independentes e nenhum tostão na carteira.

Com vinte e sete anos e sem me relacionar com ninguém desde os dezessete, eu penso se não havia sido tudo errado desde o começo. Apaixonar-me por Jin, me desesperar com o trem indo embora, o sonho de ir para Tokyo que eu... não tinha, realmente.

Sentado em um café, as roupas vitorianas deram lugar a um visual um tanto mais discreto. Terushi diz que, na verdade, eu passo horas lendo editoriais de moda masculinos. Idiota.

São só quinze minutos do meu dia.

-Posso me sentar? – ouço uma voz gentil me dizer e me deparo com os olhos mais misteriosos que já vi em toda minha vida, sorrindo para mim, assim como o rosto bonito. Uma mão é estendida. -  Yamamura Jun’ichi.

-Asamura Ryuutarou. – aceito a mão que me é estendida e, logo, estamos dividindo xícaras de café dos mais diversos tipos e alguns pontos em comum.

Internamente eu gargalho da ironia da vida. Dez anos e só então a oportunidade real de esquecer meu algoz me é dada.

Dez anos e todo sofrimento e dor parecem não ter existido, enquanto Jun’ichi-san e eu saímos da cafeteria, em direção ao centro da cidade.

Do outro lado da rua, um outdoor com a imagem de Shibuya refletida toma quase todo um prédio. A banda dele e de Arata-kun está lançando mais um CD. E dizem que os primos tem um caso. Pouco me importa, agora.

Sem estranheza nenhuma aquilo não me incomoda. Não mais.

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