domingo, 16 de setembro de 2012

Hanami - único


– Porra, Shiroyama! – Jack esbravejou – Errou de novo, maldito!

Takeo respirou fundo e inclinou o corpo para o lado, bem a tempo de salvar a cabeça de ser alvejada pela baqueta que o líder arremessara em sua direção.

– Jekichi... – Jin tentou acalmar o companheiro de banda, mas a intervenção não foi bem vinda.

– Quieto Ikeuchi! Você está errando tanto quanto ele.


– Talvez fosse bom dar uma pausa – o vocalista tentou pacificador.

Asamura respirou fundo e abaixou a cabeça. Todos pareciam contra ele, provocando-o de propósito.

– Jack, já é sexta-feira, são quase dez horas da noite e não tem mais ninguém no estúdio além de nós e do vigia da noite.

O baterista olhou para o músico mais velho. Teruo acabara de acender um cigarro e parecia realmente cansado, assim como os outros.

Em silêncio levantou-se da bateria e começou a juntar suas coisas.

– Jack...? – Shibuya se arriscou.

Foi ignorado pelo líder, que recolheu suas coisas e saiu do estúdio sem ao menos despedir-se.

– Que estresse! – Takeo exclamou, feliz por ter escapado intacto do acesso de raiva .

– Aconteceu alguma coisa com ele? Normalmente o Ryuu-chan não é assim – Hayato brincou com a mecha ruiva do cabelo.

Jin observou a porta por onde o moreninho se fora. Com certeza tinha algo acontecendo com o baterista, mas ele não sabia do que se tratava. Sequer imaginava.

Jack não apareceu no estúdio no sábado. E nem deu noticias. Isso deixou os outros um tanto preocupados, sobretudo Ikeuchi. O baixista decidiu que iria atrás do namorado para tentar descobrir o que acontecia e por que Jack andava tão agressivo.

oOo

O baterista estacionou a moto e desceu, carregando consigo o capacete. Fazia tempo que não voltava àquele lugar. Esquecera-se de como era bonito, sobretudo naquela época.

Kyoto parecia revigorar-se com as cores nostálgicas do Hanami, um dos festivais mais bonitos e famosos do Japão. Era um cenário tão magnífico que atraia turistas não apenas do país, mas overseas também.

Calmamente caminhou sob as centenárias arvores de cerejeira. Sem aviso algum a cena de uma sakura e uma gueixa vieram a sua mente. Foi impossível impedir os olhos de se encherem de lágrimas.

Tentou se concentrar no aroma das árvores, na brisa suave que tocava sua pele, nos inúmeros sinais da bela natureza japonesa falando consigo. Aquilo pareceu funcionar para que controlasse a emoção.

Seus trajes eram escuros e modernos, de extremo bom gosto, como tudo que usava, aliás. As peças contrastavam enormemente com os kimonos típicos e elaborados, alguns de estampas belíssimas, dos turistas que por ali passeavam em busca de bons lugares para assistir ao espetáculo que acontecia apenas naquela época do ano.

O Japão era um país com tecnologia de ponta, a modernidade caminhava lado a lado com os cidadãos diariamente. No entanto, sempre que retornava a Kyoto, Ryuutarou sentia como se retornasse no tempo e mergulhasse diretamente no mais profundo da ancestralidade nipônica.

Kyoto era a alma do Japão.

Cada fibra daquele belo lugar, cada construção, cada marco simbólico guardava um pouco da passagem do tempo, contava uma história. E o líder da P”Saiko desejava ardentemente que nada pudesse destruir aquele tesouro.

Sem pressa alguma encontrou um lugar mais afastado debaixo de uma cerejeira, cujas flores não estavam totalmente abertas. Não havia ninguém sentado ali.

Suspirando sentou-se encostado no tronco da árvore, acendeu um cigarro e observou sua copa alta recortando-se contra o céu azul. Ali sentia-se tranqüilo e podia refletir com calma.

Estava passando por um momento confuso. Era aniversário da morte de Jun. Mais um ano se passara e, apesar de tudo, ele era uma lembrança viva e forte em sua mente. Uma presença que se interpunha no que sentia pelo namorado. Por mais insano que parecesse, Ryuutarou sentia quase como se traísse o seu passado ao se envolver com o baixista da banda da qual fazia parte. Quase como se...

– Ei, Ursinho!

Jack não conseguiu acreditar no que seus olhos viam. Ali estava o culpado por metade do seu tormento, caminhando calmamente em sua direção enquanto acenava. Jin vinha com uma blusa cor-de-abóbora choque com um coração no meio do peito, a bendita bermuda do exército, meias vermelhas e o coturno desamarrado. Ah, além do boné amarelo com estampa do Smile e a mochila nas costas, é claro.

– Como chegou aqui? – Asamura não sabia se estava chocado pela simples presença do namorado ou pela presença do namorado com aqueles trajes. Que ser humano tinha coragem de vestir aquilo?!

– Trem bala, oras. Três horas de Tokyo a Kyoto. Não sabia?

O baterista quis acertar um cascudo no namorado, enquanto ele se sentava. Só segurou-se porque sabia que Jin não estava sendo irônico.

– Claro que eu sabia, mas... como sabia que eu estava aqui e...

– Tenho poderes mutantes – Shibuya riu, cortando a confusão do namorado. Acomodou-se ao lado dele, jogando a mochila no chão – Sou a Jean Grey dos X-Men, não sabia?

– Aff... você bebeu? Ou está usando drogas sem que eu saiba, Inferninho?

– Inferninho? – Ikeuchi ergueu as sobrancelhas.

– To falando sério, Ikeuchi – o caçula desconversou – Como soube que eu estava aqui? Se não me disser vou ficar bravo de verdade.

– Eu... pedi pra minha mãe pedir pro seu irmão...

– O que? Ikeuchi, você tem que parar de depender tanto da sua mãe assim! Faça as coisas por você mesmo.

– Mas... a gente está preocupado com você, Ryuu-chan. Por que está tão agressivo? A gente começou a namorar a pouco tempo, mas sabe que pode me dizer qualquer coisa, não sabe?

O baterista sorriu fraco. Não podia simplesmente dizer pro seu namorado que estava confuso e afetado pelas lembranças de alguém que amara no passado. E que essas memórias ficavam mais fortes e dolorosas na época em que ele partira.

Jack não queria ferir os sentimentos de Jin daquela forma. Não achava ter direito. Jurou que na próxima vez tentaria se controlar melhor, para não dar tanto na cara que tinha algo acontecendo com ele.

Sentiu a mão do baixista cobrir a sua.

– Todos tem algo que não querem compartilhar – Shibuya falou – Até mesmo eu. Então não precisa dizer agora, só quero que saiba que pode falar quando achar necessário.

– Obrigado – foi tudo o que conseguiu dizer.

– É mais fácil enfrentar as trevas quando tem alguém ao seu lado, Ryuu-chan.

– Trevas? – o moreninho surpreendeu-se com o termo escolhido – Por isso sua cadela se chama “Trevas”?

Ao ouvir a pergunta Jin fez uma expressão estranha.

– Jack não deixe que o Trevas te ouça falando assim! Ele pode se ofender!

– Oh, claro – o líder da banda lutou para manter a face neutra – Vou ter cuidado – mais cedo ou mais tarde alguém teria que contar para Ikeuchi que seu cachorro era, na verdade, uma fêmea. Como ele não percebera isso até agora?

Evidentemente não seria Ryuutarou a revelar a verdade... quem sabe o vocalista fosse mais apropriado para isso.

– Algumas trevas não desaparecem se você acender a luz – Jin continuou cortando a linha de pensamentos do moreninho – E você não pode fugir para sempre. Por isso é mais fácil ter alguém para segurar a sua mão, assim você não sente tanto medo.

Asamura observou a mão do namorado que cobria a sua e era quente e acolhedora. Ele tinha razão: namoravam há pouco tempo. E neste pouco tempo Jin assumira uma importância assustadora em sua vida.

Algumas pessoas nascem e morrem sem conhecer o amor verdadeiro sequer uma vez. Jack o encontrara por duas vezes. Perdera na primeira, e tinha medo de acontecer novamente.

Por isso sofria tanto nessa época. Por que as lembranças dolorosas o lembravam de que nada durava para sempre, nem que fosse forte. Nem que fosse verdadeiro.

– Se quiser deixo o Trevas passar um tempo na sua vida.

Jack sorriu um pouco ao ouvir a proposta. Nada durava para sempre. Talvez sofresse muito quando o fim chegasse, porque o fim chegaria e Jack não tinha dúvida alguma sobre aquilo.

Mas por enquanto...

– Droga, Inferninho, dá um lugar aí – deitou-se sobre as pernas de Jin, ajeitando-se de forma confortável.

– Inferninho? Mas por que me chama assim?

Por que você é o Inferninho que minha vida se tornou depois que me apaixonei. Não que isso seja, de todo, ruim.”, foi o que Jack pensou, mas sua resposta foi mais resumida:

– Combina com você.

– Ah, veja! – Jin apontou para cima. A árvore sob a qual se sentaram começara a florescer. As pétalas das flores caiam e eram levadas pelo vento para bem longe.

Jack sorriu observando o espetáculo. Tudo que tinha um começo, tinha um fim. O baterista torceu para que houvesse um vento assim, que levasse os caquinhos do seu coração, quando algo ruim acontecesse.

Mas por enquanto...

Por enquanto ele ia apenas aproveitar aquela segunda chance que a vida estava lhe ofertando. Chance que vinha disfarçada de um otaku sem senso algum, noção zero e brisas no lugar do cérebro.

Não que fosse, de todo, ruim.

Fim

* * *
Notas finais:

N/B: em literatura japonesa, aprendemos uma das formas estéticas japonesas, o aware, que é a contemplação da beleza melancólica, e eu adorei como você escreveu tudo isso, porque é exatamente o sentimento que os poetas antigos de Renga tentavam passar.
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Peço que você inclua estas minhas notas no final. Kaline, essa foi, de verdade, a fic mais linda Jin x Ryuu que você já escreveu. É repleta de 'aware' do início ao fim, e isso fez eu me identificar. Você conseguiu pegar toda a essência do Jack, e além disso, o Jin mostrou que sabe, sim, lidar com sentimentos verdadeiros. É linda, Kaline, e eu fiquei feliz em poder ajudar você. Obrigada, de coração.
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N/A: Pois é. Eu não ia postar isso, mas a Nii me convenceu. Então... aí está!

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