domingo, 10 de janeiro de 2010

Capítulo I: A idéia idiota

Recalque
Kaline Bogard

Capítulo I
A idéia idiota

– Levantar. – a voz doce da representante de sala ecoou entre a baderna da sala, fazendo todos os alunos se calarem e ficarem em pé – Cumprimentar.

– Ohayou gozaimasu, Izume sensei. – todos os quarenta alunos do 2B saudaram com uma sincronia de fazer inveja a qualquer equipe de ginástica rítmica.

Hayato, o professor de português, acenou com a cabeça, satisfeito pela ordem da sala pela qual ficara responsável naquele ano.  Mal contendo a animação viu os alunos voltarem a se sentar.  A bagunça evaporou-se, todos muito atentos, no estereotipo meio caricato do que seria uma sala de aula japonesa.

Respirando fundo o professor analisou a classe.  Nada que não fosse previsível.  Os CDFs tomavam conta das primeiras carteiras.  Nas fileiras da direita logo a frente estavam os alunos comuns, aqueles que passam pelo colégio sem deixar grandes lembranças e cujos nomes nos fogem da mente quando folheamos o álbum da formatura.  No meio da sala as patricinhas e mauricinhos: alunos com status social melhor, que usavam roupas da moda por baixo dos uniformes e cujos tênis rabiscados não podiam ser pagos com o salário de Hayato.

Na fileira da esquerda, os Nerds.  Alunos que vestiam o uniforme muito bem, mas apesar disso ainda pareciam esquisito, falavam esquisito e não se socializavam com ninguém que não fosse da mesma “raça”.  Eram mais inteligentes que os alunos normais, porém perdiam longe para os CDFs.

No fundo da sala, uma divisão interessante.  De um lado os verdadeiros bad boys, que vestiam jaquetas de couro, fumavam baseados no banheiro e com quem nenhum dos professores encrencava. Exceto o professor de matemática, claro.  Do outro lado, os atletas e “famosos” do colégio, aqueles que faziam parte do grêmio, de inúmeros clubes extra e davam conta de tudo, maravilhosamente bem.

Pra finalizar a classe, o trio mais disparatado possível: na ponta direita, o segundo capitão do time de voley do colégio, aluno encantador e bom de lábia, inteligente, dono de um humor acido e um sorriso torto que nunca parecia sair dos belos lábios.  No meio, um “ser” exótico e único, que parecia soltar purpurinas a cada passo... e no canto esquerdo, próximo a janela: um otaku.

Uma divisão perfeita e heterogênea.  Ninguém se misturava.  Ninguém saia de sua esfera para ir ter contato com um outro. Até então Hayato não vira, por exemplo, um Nerd fazendo amizade com um atleta. Parecia um ato contra alguma regra não escrita, mais antiga do que o professor de português se arriscava a dizer.

Mas aquilo ia mudar.  Ah, ia.

– Ohayou, minna san. – o moreninho foi logo cumprimentando – Antes de mais nada gostaria de desejar um ano letivo de sucesso para todos vocês.

Falou com um sorriso fofo nos lábios, fazendo algumas alunas suspirarem dando risadinhas.  Elas já pensavam no chocolate que fariam no dia dos namorados para dar pro sensei tão bonito.

– Como todos sabem, – Izumi continuou – o ano passado fui enviado pelo colégio para o exterior, fazer um curso de intercambio nos Estados Unidos.  Aprendi muitas coisas por lá, e uma delas vou aplicar com essa sala, tendo permissão da Direção.

Os alunos pareceram se interessar no que ele dizia.  Tudo que era novidade despertava curiosidade entre eles.

– O projeto se chama “Recalque”, tem esse nome em homenagem à Psicanálise e diz respeito a algo que nosso consciente não suporta encarar e envia para o inconsciente, onde deixa de nos perturbar.  Isso é uma referencia muito clara a inclusão social.  Temos o costume de conviver apenas com pessoas que são parecidas com a gente e excluímos de nossas vidas todos que não se encaixam no que consideramos apropriado.

A esse ponto um leve burburinho tomou conta dos alunos.  A coisa começava a perder a graça.  Hayato não se intimidou:

– Dividi a sala em duplas.  Durante esse ano vocês serão chamados de “Gêmeos”, porque terão que fazer toda as atividades escolares em duplas, assim como as tarefas extra-classe. E, o mais importante, a soma total das médias será dada através das notas de ambos.  Ou seja, não adianta um ir muito bem se o outro não for.  O propósito é se ajudarem em tudo que fizerem.

Nesse ponto um dos alunos levantou a mão. Era o ruivo, segundo capitão do time de voley.

– Pois não, Shiroyama kun.

– Izumi sensei... então nesse projeto se eu cair com alguém que tire zero isso vai atrapalhar as minhas notas?

– Exato.  Você vai ter que se esforçar para que não aconteça algo assim.

– Não é justo! – o ruivo reclamou.

– É solidariedade, se você pode tirar boas notas porque não ajuda alguém que não consegue?

– Podemos escolher nossos parceiros? – um dos mauricinhos perguntou.

– Ie. – Hayato decretou – as duplas já foram escolhidas por mim com base nos seus currículos do ano passado.  E eu vou separá-los agora, pois a partir de amanhã vocês já devem sentar-se perto um do outro.

Shiroyama olhou em volta.  Tinha boa convivência com praticamente todos da sala, só não queria ficar com duas opções: aquela coisa purpurinada que sentava quase ao seu lado, e aquele otaku do lado de lá.  Do resto da sala, qualquer um seria bem vindo.

Ansiosos, os alunos viram Hayato abrir sua pasta e tirar uma folha de dentro.  A medida que começou a falar os nomes das duplas, os alunos começara a se entreolhar.  Nenhuma das combinações estava agradando...

E Takeo começou a se preocupar: as melhores opções estavam se esgotado!  Começou a temer que sua boa sorte o abandonasse, parecendo ser exatamente aquele o X da questão.  Quando Izumi sensei falou os nomes de Gensuke e Kaguya, o ruivo sentiu um arrepio de aversão.  Se o gay oficial da sala tinha ficado com a representante, só sobrava uma opção pra trabalhar com ele durante todo o ano letivo.

– Shiroyama kun e Ikeuchi kun.

O ruivo se afundou na carteira.  Mas nem deixou o bom humor ir embora.  Assim que batesse o sinal, iria falar com Izumi sensei e explicar o ridículo daquela dupla.  Tinha certeza que o bom senso do professor prevaleceria.

Voltou os olhos cinzentos para o outro lado da sala, onde sua pretensa dupla estava sentada, observando o campo de futebol através da janela.  Ikeuchi Jin, o otaku alienado da sala, que fazia aquela série pela segunda vez, um dos alunos que tinham as piores notas do colégio.

Definitivamente alguém que Takeo não queria ter que conviver...

 

Continua…

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